sábado, 4 de maio de 2013

Aula 20 - Como corrigir uma desidratação sem auxilio de exames laboratoriais?

Como Tratar

Como corrigir uma desidratação sem auxilio de exames laboratoriais?

Um bom número de doentes é apresentado ao médico numa conjuntura de atendimento de urgência, sendo na imensa maioria das vezes, esta ocasião, o de primeiro contacto com os mesmos, e pode, a depender do nível de consciência mental, da condição sócio-educacional e principalmente do tempo disponibilizado para atendimento, haver dificuldade de julgamento dos seus parâmetros clínicos, aquisição de informações dos antecedentes patológicos e em alguns serviços impossibilidade de efetivação de exames complementares.

No exercício da prática clínica são frequentes atendimentos a pessoas com enfermidades cuja evolução apresenta em variadas circunstâncias perdas hidroeletrolíticas (com consequente manifestação de desidratação), porém nem sempre é possível ajuizar o quantitativo das mesmas. Não é usual o paciente precisar com exatitude os volumes perdidos nem tampouco trazer na consulta amostras das mesmas (quem já viu um individuo, por exemplo, expor um recipiente contendo o quantitativo de vômitos ou fezes diarreicas exoneradas?). Embasados numa anamnese e exame físico adequados, é até possível estimar este total, porém na maioria das vezes a imprecisão é real.

Por desconhecer parâmetros clínicos prévios dos enfermos, o médico tem receio de prescrever, mesmo quando necessário, grande volume de líquidos, notadamente em idosos e debilitados, pois é possível advir eventos desagradáveis: disfunções cardíacas, edema agudo de pulmão, edemas subcutâneos, dentro outros. Por outro lado, volumes escassos podem implicar na instalação de uma Insuficiência Renal.

A falta de exames laboratoriais é um empecilho que se soma para a correta avaliação do status hídrico, especialmente os alusivos à dosagem de eletrólitos, fato que impossibilita avaliação da sua verdadeira condição no organismo e não permite determinação da osmolaridade estimada do compartimento extracelular, dificultando, por conseguinte, o diagnóstico do tipo de desidratação: hipotônica, isotônica ou hipertônica.

Qual a conduta adotada nestas circunstâncias de ausência de exames complementares? É o que se procura esclarecer neste tutorial.

Conhecendo-se a idade, estado nutricional e o peso corpóreo é possível quantificar o volume de líquidos a ser infundido na ausência de perdas prévias, ou seja, é possível calcular, baseados nestes parâmetros, as necessidades basais de um dado paciente.

Pacientes adultos:

ADULTO JOVEMDEDILITADOVELHO/OBESO
Água 35 ml/Kg 30 ml/Kg25 ml/Kg

Crianças:

PREMATUROR.N.4 – 10 KG4 – 10 KG20 – 40 KG
Água 40–60 ml/Kg50-70 ml/Kg100 – 120 ml/Kg80 – 100 ml/Kg60 – 80 ml/Kg

Ex.: Um paciente adulto jovem, não obeso, com um peso de 70 Kg necessita de um volume de água igual a 35 * 70 = 2450, que é aproximado para 2500 ml em razão das soluções mais frequentemente utilizadas na terapêutica hídrica serem disponibilizadas em frascos ou bolsas de 500 ml. É mais racional aproximar os valores calculados para múltiplos de 500.

O desidratado que está recebendo fluidos para reposição de uma perda, demanda, por parte da equipe médica, avaliações periódicas de parâmetros clínicos (pressão arterial, amplitude do pulso, frequência cardíaca, presença de sede, volume da diurese, concentração da urina, elasticidade e turgor da pele, umidade das mucosas, etc.) que quando corretamente interpretados dão ideia da sua real condição de hidratação. Baseados nestes parâmetros define-se, num dado momento, depois de instituído tratamento de reposição hidroeletrolítica, quando estes são normalizados, que o quantitativo subtraído foi reposto ou, em caso contrario, da obrigação de continuar-se infundido mais líquido ao doente.

O bom senso deve prevalecer e, por este motivo, os pacientes configurados como portadores de choque hipovolêmico deverão ser tratado como tal, merecendo uma hidratação mais vigorosa e rápida (em pacientes hipovolêmicos com perdas sanguíneas poderá ser necessário infusão de sangue, plasma ou derivados).

Para o adequado manejo de um desidratado além das necessidades basais é imperativo recuperar um déficit que, no momento do atendimento, é, em boa parte das ocasiões, desconhecido.

Calculado o basal o que for acrescido de líquidos, além deste valor, contribuirá para refazer o que foi perdido anteriormente, sendo possível, repor o déficit infundindo-se líquidos em quantidade a mais do básico até normalização dos parâmetros clínicos alterados pela desidratação. Varias são as opções na literatura para o calculo deste déficit. Apresenta-se a segui uma opção segura para o manejo de um paciente desidratado adulto.

Primeiro passo:

Calcular o volume basal diário de líquidos para o paciente, ou seja, para o adulto jovem 35 ml/Kg, para o debilitado 30 ml/Kg, e no obeso ou idoso: 25 ml/Kg.

Calcular o gotejamento para infusão do total de líquidos em 24 h. Como regra prática: para cada 500 ml de líquidos acresce-se um valor de gotejamento de 7 gts/min

Ex. Para um paciente adulto jovem desnutrido que apresenta peso corpóreo de 65 Kg carece de um total de 1950 ml (30 ml/Kg x 65 Kg) de fluídos para satisfazer suas necessidades basais. Este valor é aproximado para 2000 ml. Para um total de 2000 ml de líquidos será instituído um gotejamento de 28 gts/min. (4 frascos de soros de 500 ml = 7 * 4 = 28 gts/min).

Segundo passo:

Dividir o dia em quatro períodos de 6h e distribuir equitativamente o total de líquidos calculado.

Ex. Se o cálculo para 24 h do doente corresponde a um total de líquidos de 2000 ml, é o mesmo que dizer: 500 ml a cada seis horas. Se para correr 2000 ml de líquidos em um dia emprega-se gotejamento de 28 gts/min, conclui-se que com este valor 500 ml será infundido em um tempo de 6 h.

O propósito de dividir-se o dia em quatro momentos iguais é para permitir que o paciente desidratado seja examinado, ao menos, 4 vezes ao longo deste período, para avaliação do seu status volêmico. O paciente acompanhado por médicos em regime de plantão são obviamente examinado em um maior número de vezes no decorrer do mesmo período de tempo.

Terceiro passo:

Dobrar o provimento de líquidos ofertados nas primeiras seis horas. Com isto estar-se-á repondo o basal (o valor original) e o volume dado a mais é admitido como repositor de perdas. Na pratica, dobrar o volume de soluções equivale a dobrar o gotejamento.

No exemplo: ao invés de 500 ml (o calculado), infunde-se 1000 ml (500 ml de basal + 500 ml de déficit estimado). O gotejamento para que este novo valor seja infundido no mesmo intervalo de tempo será de 28 gts/min * 2, ou seja, 56 gts/min.

Quarto passo:

Ao menos a cada 6 h reavaliar cinicamente o doente para avaliação de parâmetros de hidratação: sede, diurese, turgescência de veias, pressão arterial, pulso, hidratação das mucosas, turgor e elasticidade da pele.

Caso, neste ajuizamento, o paciente apresente estes parâmetros normalizados é indicativo de que as perdas, de acordo com a teoria, foram repostas, sendo, portanto, correspondentes a um volume igual ao básico estabelecido para aquele intervalo de tempo. A partir deste momento o paciente passará a receber fluidos somente para repor suas necessidades basais.

Ex. Se ao final do intervalo de 6 horas o paciente apresenta normalização dos seus parâmetros clínicos, do total calculado: 500 ml correspondem ao basal e 500 ml ao seu déficit de líquidos.

Havendo normalização dos parâmetros clínicos não existirá mais necessidade do gotejamento de 56 gts/min, e a partir deste momento o mesmo será modificado para 28 gts/min, suficientes para administração do volume basal.

Caso o paciente ainda apresente alterações nos parâmetros de adequada hidratação continua-se com o fornecimento hídrico ofertado por gotejamento dobrado até que haja normalização dos mesmos em outro momento. A regra do quarto passo será posta em prática a cada 6 horas. Se ao final do primeiro dia (24 horas) o paciente mantém indicativo de desidratação a conduta é mantida e extendida para um novo período de 24 horas.

Do ponto de vista prática a conduta pode ser resumida e adaptada:

  1. Calcular o basal de líquidos para o paciente
  2. Dobrar o fornecimento hídrico calculado até normalização dos parâmetros clínicos de hidratação, isto equivale a calcular o número de gotas por minutos e mantê-lo dobrado até este instante.

Nos paciente observados em regime de plantão não existe necessidade, portanto, de tomar conduta decisória somente a cada 6 horas, pois a qualquer momento do dia, percebendo-se normalização dos parâmetros de avaliação do status hídrico, interrompem-se o processo e a partir deste momento infunde-se somente o basal de líquidos.

Qualidade da solução a ser infundida

Vai depender do tipo de desidratação

  • Hipotônica: 1 soro glicosado : 1 soro fisiológico (solução 1:1)
  • Isotônica: 2 soros glicosados : 1 soro fisiológico (solução 2:1)
  • Hipertônica: até 6 soros glicosados: 1 soro fisiológico

Como estar-se admitindo a lacuna de auxilio de exames laboratoriais para estabelecimento da osmolaridade plasmática e consequentemente da escolha do tipo de solução a ser infundida baseada nesta informação, a opção por soluções é baseada no tipo mais frequente de desidratação, qual seja, a isotônica), portando pode-se optar por infusão de: 2 soros glicosados : 1 soro fisiológico (solução 2:1)

O potássio deve ser reposto obedecendo aos cuidados para tratamento de hipopotassemia:

  • Só repor quando o paciente estiver adequadamente hidratado
  • Sempre diluído
  • Não fazer aplicação da ampola contendo potássio diretamente na veia nem tampouco em soluções que já estejam sendo infundidas
  • Caso seja necessário infusão de grandes quantidades monitorizar o paciente (ECG) e dosar o potássio de 3/3

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